sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"A vida só se dá pra quem se deu" - Vinícius!

O Haver - Vinícius de Moraes

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter...

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade...

Resta essa tristeza diante do cotidiano; ou essa súbita alegria ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido...

Resta essa capacidade de rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil e essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração de quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é...

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória.
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte..

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha...

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