segunda-feira, 15 de junho de 2009

ANÁLISE-Lula conduz Brasil a novo papel mundial

Por Stuart Grudgings
RIO DE JANEIRO (Reuters) - Quando um líder radical de um sindicato com pouca escolaridade se tornou presidente do Brasil em 2003, muitos acharam que o gigante adormecido da América Latina havia atirado no próprio pé novamente.
Os mercados financeiros haviam desabado no ano anterior diante da perspectiva de ter Luiz Inácio Lula da Silva à frente da economia, e especialistas de Wall Street temiam que o pior ainda estava por vir.
A resposta de Lula foi lembrar investidores, em seu estilo popular que já virou marca registrada, que nem todo barbudo é um "comunista".
"Eles esquecem que Jesus Cristo tinha barba", disse Lula.
Sete anos depois, Lula assume seu lugar em um encontro das principais forças emergentes na próxima semana na Rússia sem precisar disputar seu papel como o salvador para a economia do Brasil e a sua posição global.
Em casa, sua política econômica conservadora superou há muito o pânico de investidores, enquanto programas sociais que ajudaram a tirar cerca de 19 milhões de pessoas da pobreza têm garantido índices de aprovação invejáveis, acima de 80 por cento.
O boom econômico de cinco anos, alimentado pelas exportações de commodities e por uma diplomacia habilidosa, e o charme do presidente, que funciona bem tanto em fóruns mundiais quanto em favelas do Rio de Janeiro, têm ajudado a transformar o Brasil em uma força diplomática e uma liderança do mundo em desenvolvimento.
Em entrevista à Reuters na quarta-feira, Lula elencou uma lista de nações onde ele foi o primeiro presidente brasileiro a visitar desde o século 19, afirmando que sua diplomacia tem por objetivo expandir oportunidades para a economia do país.
"Nos negócios, nós temos que encontrar novos parceiros e as oportunidades que existem. Nós temos feito isso por seis anos e o resultado tem sido extraordinário", disse o presidente.
Livre de grandes preocupações com segurança --diferentemente de seus parceiros do "Bric" (Rússia, China e Índia)-- Lula, de 63 anos, expandiu o papel do Brasil aparentemente sem criar inimigos.
"Ele aproveitou todas as oportunidades que estavam aparecendo", afirmou Richard Bourne, pesquisador sênior do Institute of Commonwealth Studies, de Londres, e autor de um livro sobre Lula.
"Ele veio para ser encarado como um jogador sério, mas não somente ele: o Brasil despertou como um jogador sério."
INVESTIGANDO A HISTÓRIA DE VIDA
É uma grande mudança de 2002, quando economistas e gestores de fundos disseram que Lula seria um desastre para a economia e seus opositores apontavam que a falta de instrução e de habilidade com a língua inglesa seriam desastrosos para a estatura diplomática brasileira.
A grande questão era se o Brasil seguiria o mesmo caminho que a Argentina, que enfrentava grave crise econômica após declarar calote de sua dívida.
Em 2006, o Brasil já tinha antecipado a quitação de sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e esta semana anunciou um empréstimo de 10 bilhões de dólares à instituição. As políticas econômicas ortodoxas de Lula geram críticas de membros do seu partido PT, mas claramente garantiram estabilidade econômica.
No ano passado, o Brasil obteve o grau de investimento das agências de classificação de risco Standard & Poor's e Fitch e o país superou o pior da crise financeira global.
Lula também tem usado seu magnetismo, empenho e impressionante história de vida --o sétimo filho de uma família pobre, que perdeu um dedo em um torno mecânico na fábrica e se tornou o primeiro líder brasileiro de origem operária.
"O problema do Brasil no passado sempre foi, mesmo quando a economia ia bem, o fato de ser um país tão desigual, sem fundamentos morais para o seu desejo de ter algum nível de influência internacional", afirmou Peter Hakim, presidente da Inter-American Dialogue em Washington.
"A eleição de Lula e sua habilidade de governar mostraram a vibração do Brasil", acrescentou.
Lula tem tirado vantagem dessa boa vontade com uma política externa imperativa que o viu visitar 75 países e abrir 33 embaixadas, 14 delas na África, como parte de uma agenda "sul-sul".
Ele tem liderado esforços dos países em desenvolvimento pelo fim dos subsídios agrícolas, tem se engajado mais em negociações climáticas globais e assumido um papel preponderante na demanda dos países em desenvolvimento por maior influência em meio à crise financeira.
Multinacionais, como Petrobras e Vale, têm prosperado durante o governo Lula, ajudando a expandir os investimentos e influência brasileiros na América Latina e no mundo.
Um agenda igualmente frenética no Brasil, onde ele visita favelas, inaugura obras públicas e tem um programa semanal de rádio, tem ajudado a manutenção da sua popularidade.
"Seu carisma e habilidade de mobilizar a classe pobre tem sido notável", disse Kenneth Maxwell, diretor do Programa de Estudos sobre o Brasil no Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Harvard.
TIRANDO VANTAGEM DA CRISE
Maxwell afirmou que Lula e sua equipe chegaram ao poder esperando mais uma crise financeira dado o histórico de turbulências no Brasil, o que os levou a evitar projetos grandiosos e a aumentar as reservas internacionais. Isso deixou seu governo em boa situação quando a crise financeira abateu o mercado doméstico no ano passado.
Depois de um começo gaguejante, quando, com um otimismo exagerado, disse que a crise chegaria ao Brasil como uma "marolinha", Lula tem mostrado sua capacidade de tirar vantagem de situações ruins.
Ele tem aproveitado para assumir uma posição contra o status quo da economia global, apoiando medidas para impulsionar o papel do G20 ampliado e trabalhando pela primeira reunião do Bric, que ocorrerá na próxima semana.
Críticos apontam que Lula tem problemas em lidar com problemas crônicos do Brasil, como burocracia excessiva, ineficiência de gastos públicos e corrupção, que abalou fortemente seu governo com o escândalo do Mensalão de 2005.
"Ele nunca foi um homem de detalhes, e essa é uma de suas grandes fraquezas", disse Bourne, do Institute of Commonwealth Studies.
Mas uma medida do sucesso de Lula é que agora é a perspectiva de que ele deixará o poder que causa nervosismo. Ele não pode concorrer a um terceiro mandato nas eleições de 2010 e nenhum dos seus possíveis sucessores parecem capazes de igualar seu carisma.
Hakim, da Inter-American Dialogue, afirmou que o Brasil tem muita sorte por ter tido dois líderes sucessivos que muitos consideram os presidentes eleitos de maior êxito na história da América Latina. O antecessor de Lula, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), também foi um líder respeitado mundialmente, que preparou o caminho para Lula com reformas econômicas cruciais.
"O que vai acontecer quando o Brasil tiver um líder comum? Eu não sei", disse Hakim. "A política é muito errática no Brasil e é muito difícil lidar com ela."
(Reportagem adicional de Todd Benson, Raymond Colitt, Natuza Nery e Ana Paula Paiva)

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